domingo, 28 de setembro de 2008

Uma outra vez - ou; O Reencontro.

Eu estava ajudando com os preparativos para a viagem quando ela saiu para o salão. Permaneci na casa dela, ajeitei algumas coisinhas mais, e fui buscá-la, que era pra passar mais tempo junto, e um pouquinho a sós também.
Saí correndo dizendo que ia encontrar com uma amiga, e ia tão veloz meu coração que pulou até ela umas três vezes antes que o ônibus o fizesse. Mesmo pra um simples busca-no-salão-e-leva-em-casa, ele não seria capaz de se deixar derrotar por um simples ônibus.
Subimos sua rua, estávamos atravessando, quando a puxo de volta, não vou subir. Ah, não? E puxo para a esquina de baixo, melhor não correr riscos quando a mãe está em casa... Ainda mais antes de uma viagem que nem a agrada tanto. Ela resiste, me puxa uns poucos passos pra cima e entra na locadora à direita. Pouco, muito pouco mais alta que eu, mas ela faz cinema, ela faz cinema ela é a tal. Como criança contando segredo sobe na ponta dos pés, se debruça por sobre o balcão alto e chega perto do atendente, sussurrando quase imperceptivelmente – mesmo pra mim, criança curiosa, atenta para desvelar o segredo da outra.
- Me quebra um galho?
- Qual?
- Nem eu sei.
- ...
- éééé... Eu tenho que despedir dela, viajo hoje. Não posso beijar na rua que minha casa é logo ali na frente...
- Acende a luz aí na frente, pode subir. E se achar algum pôster, pode levar.
Atônita, a sigo até a escada de caracol e subo para o segundo andar da locadora – modesta, dessas de bairro mesmo. Ainda mais modesto era o quartinho... Entupido de caixas e cartazes com uma grossa cobertura de pó, uma cama desmontada num canto. Mas, enfim, privacidade. E o mais estranho, privacidade fácil e sincera. Sem ter que inventar milhões de desculpas, sem ter que fazer malabarismos com o tempo, quase sem riscos. Quantas vezes você já fez isso? Nenhuma. Inacreditável. Ah, se eu soubesse que seria tão fácil assim – que havia um quartinho lá em cima, que o cara era gente boa, que você não acharia estranho, que você nunca tinha feito isso – eu teria arrumado mais tempo. Não para despedir, mas para aproximar. Não ficávamos tão próximas desde quando eu viajara, há quase um mês, muito menos por tanto tempo. Não devem ter sido nem 10 minutos, entre olhadela em pôsteres e telefonada da mãe. Já era tarde, hora de passar em casa pra buscar a mala e ir embora. Descemos, ela com o pôster de 'An inconvenient truth' e eu com um sorriso verdadeiro e inconveniente. Despedimos-nos do atendente, a quem eu abracei e agradeci sinceramente, e nos separamos. Ela atravessou a rua correndo, direto pra casa. Acho que não me olhou desde que descemos. Eu também não fiquei parada, observando a água escorrer por entre os dedos. Segui meu caminho com calma, pro lado oposto, deixando-me ser polida um pouco. Virei pouco para trás, mas o suficiente para saber que ela não se virou, nem uma vez sequer. Eu duvido até que tenha hesitado... é que aquilo não era despedida. Fora reencontro.

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