quarta-feira, 8 de outubro de 2008

d'A Nudez

Olhou para os olhos cinzentos da outra. A luz batia, laranja-escuro, no corpo de ambas. Miravam-se como miragens aos seus corações e encontravam-se; n'algum lugar que não ali. Quebrei o silêncio e disse, com alguma vergonha de inciante, um segredo. Não consigo ficar nua se não o fizer também com a alma. E é essa a minha verdade que ela escutou como quase não sendo. Talvez quisesse mesmo fazer do pedaço de pano, uma armadura de ferro - e fogo! - para a alma... Talvez.
Esqueci-me do que dizia, e por isso acho que falei demais. Falei e falei e contei: contigo a minha vontade é de arrancar-me a roupa e deitar olhando o seu olhar.
E ela, como quem é desafiada - mas sem manter a pose, a serenidade e algo que não saberia denominar, mas que pode-se dizer que era uma felicidade exêntrica; um sorriso raro e único - e então ela tirou a blusa, o sutiã e deitou-se calma em meu colo. Repeti o gesto em silêncio. Talvez apenas os gritos slenciosos e a minha pequena risada tenham quebrado a seriedade daquele ritual. E era mesmo muito importante. Ela cubriu-me e, feliz, disse-lhe:
- Gosto de quando me cobre assim.
- Mas se eu te cubro, você não está mais nua...
- Estou. Só pra você.

Da nudez

- Às vezes eu fico sem blusa dentro de casa. Pode reparar, a primeira coisa que faço quando recebo uma notícia ruim é colocar roupa (E com a roupa ela quer fazer escudo pra alma). Engraçado, perto de você eu sinto vontade de ficar nua, de corpo e alma.
- ...!!
(Tiro minha blusa e me deito a seu lado. Ela faz o mesmo.)
- E gosto quando você me cobre.
(Me deito sobre ela)
- Assim?
- É.
- Mas se eu te cubro, você não está mais nua...
- Estou. Só pra você.

Da monogamia

Bom, agora você é monogâmica. E não é comigo... mas tudo bem. Ainda podemos almoçar deitadas na cama da sua mãe, ainda posso fugir das tuas cócegas te imobilizando. Só temos que ser crianças comportadas... (mesmo quando tenho defronte tuas costas nuas imóveis) ...mas crianças comportadas são tão tristes! E é por isso que acabam brincando pouco e se aquietam, caladas. Mas continuamos a conversar por olhares... A primeira lágrima é tua. É um só o abraço... (beijos nos olhos. beijos nas testas.)
Estou só tentando descobrir onde incomoda mais. Testa, nariz, queixo, pescoço, nuca, barriga, seios, coxas... Não acho. Você procura em mim.
- Aqui? E agora? Não?
Então, qual incomodou mais?
- Dói mais o não dado.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Sobre mim e ela. E o tempo.

"Saiba compreender o tempo seu, e o dos outros..." - disse à ela.
"É, mas meus tempos urram!" - respondeu-me.
Sem querer, talvez de propósito, a frase saiu feita:
"Então ainda não são tempos de deixá-los soltos. Você deve esperá-los dormir"

domingo, 28 de setembro de 2008

Uma outra vez - ou; O Reencontro.

Eu estava ajudando com os preparativos para a viagem quando ela saiu para o salão. Permaneci na casa dela, ajeitei algumas coisinhas mais, e fui buscá-la, que era pra passar mais tempo junto, e um pouquinho a sós também.
Saí correndo dizendo que ia encontrar com uma amiga, e ia tão veloz meu coração que pulou até ela umas três vezes antes que o ônibus o fizesse. Mesmo pra um simples busca-no-salão-e-leva-em-casa, ele não seria capaz de se deixar derrotar por um simples ônibus.
Subimos sua rua, estávamos atravessando, quando a puxo de volta, não vou subir. Ah, não? E puxo para a esquina de baixo, melhor não correr riscos quando a mãe está em casa... Ainda mais antes de uma viagem que nem a agrada tanto. Ela resiste, me puxa uns poucos passos pra cima e entra na locadora à direita. Pouco, muito pouco mais alta que eu, mas ela faz cinema, ela faz cinema ela é a tal. Como criança contando segredo sobe na ponta dos pés, se debruça por sobre o balcão alto e chega perto do atendente, sussurrando quase imperceptivelmente – mesmo pra mim, criança curiosa, atenta para desvelar o segredo da outra.
- Me quebra um galho?
- Qual?
- Nem eu sei.
- ...
- éééé... Eu tenho que despedir dela, viajo hoje. Não posso beijar na rua que minha casa é logo ali na frente...
- Acende a luz aí na frente, pode subir. E se achar algum pôster, pode levar.
Atônita, a sigo até a escada de caracol e subo para o segundo andar da locadora – modesta, dessas de bairro mesmo. Ainda mais modesto era o quartinho... Entupido de caixas e cartazes com uma grossa cobertura de pó, uma cama desmontada num canto. Mas, enfim, privacidade. E o mais estranho, privacidade fácil e sincera. Sem ter que inventar milhões de desculpas, sem ter que fazer malabarismos com o tempo, quase sem riscos. Quantas vezes você já fez isso? Nenhuma. Inacreditável. Ah, se eu soubesse que seria tão fácil assim – que havia um quartinho lá em cima, que o cara era gente boa, que você não acharia estranho, que você nunca tinha feito isso – eu teria arrumado mais tempo. Não para despedir, mas para aproximar. Não ficávamos tão próximas desde quando eu viajara, há quase um mês, muito menos por tanto tempo. Não devem ter sido nem 10 minutos, entre olhadela em pôsteres e telefonada da mãe. Já era tarde, hora de passar em casa pra buscar a mala e ir embora. Descemos, ela com o pôster de 'An inconvenient truth' e eu com um sorriso verdadeiro e inconveniente. Despedimos-nos do atendente, a quem eu abracei e agradeci sinceramente, e nos separamos. Ela atravessou a rua correndo, direto pra casa. Acho que não me olhou desde que descemos. Eu também não fiquei parada, observando a água escorrer por entre os dedos. Segui meu caminho com calma, pro lado oposto, deixando-me ser polida um pouco. Virei pouco para trás, mas o suficiente para saber que ela não se virou, nem uma vez sequer. Eu duvido até que tenha hesitado... é que aquilo não era despedida. Fora reencontro.

O Começo - ou; O encontro.

Engraçado era. E as duas deveriam admiti-lo.
As duas se conheceram como qualquer pessoa conhece a outra. Uma estava meio sozinha, e também meio perdida, numa lanchonete qualquer da cidade, e a outra meio achada no meio de uma turma meio qualquer. Digo meio qualquer pois a menina da lanchonete conhecia outra da tal turma. Anconteceu, portanto, numa fila. Elas se olharam e puft! - assim, com onomatopéias porque esse foi um instante que não se escreve. Ele é. Da mesma maneira que onomatopéias são aquelas coisas impossíveis de serem escritas, mas nas quais a gente insiste e acaba juntando um monte de consoante e fazendo gracinhas com elas... - "e a mágica se deu", como iriam rir-se mais tarde.
Se conheceram meio sem querer. Sem apresentações ou "qual seu nome?". A primeira pergunta foi da moça meio perdida:
-Eu não tenho seu msn - E sim, isso não foi uma pergunta, foi feita só como observação... Como uma forma diretente de dizer "quero você..."
-Eu não sei o seu nome. - Foi a obsrvação feita em resposta a pergunta.